Existe algum tipo de pré-disposição, dom ou aptidão natural? Será que o ser humano já nasce predestinado a exercer determinada função com maior habilidade do que outra? Teriam homens como Lampião e Al Capone nascido para o crime? Tendo em vista que foram bem sucedidos em suas vidas desregradas demonstrando interesse e até gosto pela violência.
Você sabia que até a década de 60 as gramáticas vinham com capítulos dedicados à versificação? E que o estudo da poesia era obrigatório, pois pertencia a grade curricular do ensino fundamental? Graças principalmente ao modernismo e suas novas visões de poesia, o ensino em escolas caiu no desuso, já que os poemas não continham mais metrificação, rimas, nem ritmo como em outrora.
A maior parte dos grandes poetas de nossa literatura conheceu a poesia na escola, chega a ser curioso imaginar Castro Alves ou Mario Quintana, levando para casa o exercício da aula de gramática e literatura, que deveria ser, compor um poema e fazer o estudo de outros tantos como a professora recomendou.
Penso que o estímulo durante a infância e a adolescência são o que geram essa personalidade íntima entre uma pessoa e uma determinada área, aliás, não apenas durante a juventude, quantas pessoas já após o amadurecimento conseguem descobrir algo com o que realmente se identificam? Trazendo para poesia, existiriam de fato pessoas naturalmente poéticas? Crianças que já nasceram com os versos pulsando em seus pensamentos? Acredito que não.
Belo Belo
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo – que foi? passou – de tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
– Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
(Manoel Bandeira, Belo Belo)
Hoje temos um número enorme de pessoas que “escrevem” poesia, basta você fazer uma pesquisa rápida no Google para comprovar, uma infinidade de blogs sobre o assunto surgem todos os dias, ai vem uma pergunta interessante, seria isso uma febre de “aptidão”?
O gosto pela escrita é suficiente para definir alguém como poeta? Sei que a versificação caiu em desuso, mas ainda assim ela é um ponto de referência para o conhecimento da arte poética, assim como estudar a evolução dos pensamentos dos poetas e as formas de composição. Pode alguém ser médico sem conhecer a composição e utilidade dos medicamentos que irá receitar?
Meus Oito Anos
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
(Casimiro de Abreu, As Primaveras, Trecho)
Acredito que quando alguém fala em dom natural, está com isso apenas inflando seu ego, é como afirmar que nasceu com uma espécie de estrela sobre sua cabeça. Como sempre quero ressaltar que o tema do blog é poesia, por isso não vou entrar em outras áreas da arte, que de certa forma até permitem alguns enigmas quanto à genialidade de seus artistas. Pergunto-me se muitas vezes se o leitor não esquece de observar o poder da mídia sobre seu artista, o poder da fama, suponhamos que Drummond escrevesse um poema de qualidade inferior a sua obra, será que alguém levantaria o dedo e questionaria a qualidade, como o faria com um autor desconhecido?
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade)
Fico no aguardo da opinião do leitor.